A desconstrução da celulose, polímero renovável mais abundante do planeta, é fundamental para a conversão de biomassa em combustíveis e produtos químicos. Embora composta inteiramente por unidades de glicose, sua estrutura microfibrilar cristalina, juntamente com sua associação com lignina e hemiceluloses nas paredes celulares vegetais, a torna altamente resistente à degradação. Como resultado, sua quebra na natureza é lenta e demanda sistemas enzimáticos complexos. A desconstrução da celulose, que, entre outros resultadostigre plataformas, pode possibilitar um aumento significativo na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, tem sido há décadas um enorme desafio tecnológico.
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em parceria com colegas de outras instituições do país e do exterior, acabam de obter uma enzima que pode revolucionar o processo de desconstrução da celulose, viabilizando, entre outras aplicações tecnológicas, a produção em larga escala do chamado etanol de segunda geração, derivado de resíduos agroindustriais, como o bagaço da cana e a palha do milho. O estudo foi publicado na quarta-feira (12) na revista Nature.

"Identificamos uma metaloenzima que melhora a conversão da celulose por meio de um mecanismo até então desconhecido de ligação ao substrato e clivagem oxidativa. Essa descoberta estabelece uma nova fronteira na bioquímica redox para a despolimerização de biomassa vegetal, com implicações amplas em biotecnologia", conta à Agência Fapesp Mário Murakami, líder do grupo de pesquisa em biocatálise e biologia sintética do CNPEM e coordenador do estudo.
A enzima recém-descoberta foi nomeada CelOCE, a partir da expressão em inglês Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme. Ela cliva a celulose por meio de um mecanismo inédito, possibilitando que outras enzimas presentes no coquetel enzimático prossigam o trabalho, convertendo os fragmentos em açúcar.
"Para usar uma comparação, a recalcitrância da estrutura cristalina da celulose decorre como que de um conjunto de cadeados, que as enzimas clássicas não conseguem abrir. A CelOCE abre esses cadeados, permitindo que outras enzimas façam a conversão. Seu papel não é gerar o produto final, mas tornar a celulose acessível. Ocorre uma sinergia, a potencialização da atuação de outras enzimas pela ação da CelOCE", comenta Murakami.
Quebra de paradigmaO pesquisador informa que, cerca de duas décadas atrás, a adição das mono-oxigenases ao coquetel enzimático constituiu uma primeira revolução. Essas enzimas oxidam diretamente as ligações glicosídicas da celulose, facilitando a ação de outras enzimas.
Foi a primeira vez que se utilizou a bioquímica redox como estratégia microbiana para superar a recalcitrância da biomassa da celulose. E isso definiu um paradigma. Tudo que se descobriu no período foi baseado nas mono-oxigenases. Agora, pela primeira vez, esse paradigma foi quebrado, com a descoberta da CelOCE, que não é uma mono-oxigenase, e propicia um resultado muito mais expressivo.
jogo tigre"Se acrescentamos uma mono-oxigenase ao coquetel enzimático, o incremento é de X. Se acrescentamos a CelOCE, obtemos 2X: duas vezes mais. Achávamos que as mono-oxigenases eram a única solução redox da natureza para lidar com a recalcitrância da celulose. Mas descobrimos que a natureza havia encontrado também outra estratégia, ainda melhor, baseada em um arcabouço estrutural minimalista que permite seu redesenho para outras aplicações, como a biorremediação ambiental", afirma Murakami.
O pesquisador explica que a CelOCE reconhece a extremidade da fibra de celulose, instala-se nela e a cliva de forma oxidativa. Ao fazê-lo, ela perturba a estabilidade da estrutura cristalina, tornando-a mais acessível para a ação das enzimas clássicas, as hidrolases glicosídicas. Um dado muito relevante é que a CelOCE é um dímero, composto por duas subunidades idênticas. Enquanto uma subunidade se encontra "sentada" sobre a celulose, a outra fica livre, podendo desempenhar uma atividade secundária de oxidase, gerando o cossubstrato necessário para a reação biocatalítica.
"Isso é realmente muito inovador, porque as mono-oxigenases dependem de uma fonte de peróxidos externa, enquanto a CelOCE produz seu próprio peróxido. Ela é autossuficiente, uma máquina catalítica completa. Sua organização estrutural quaternária possibilita que o sítio que não está engajado sobre a celulose atue como seu gerador de peróxido. Trata-se de uma enorme vantagem, porque o peróxido é um radical altamente reativo. Ele reage com muitas coisas. É muito difícil de ser controlado. Por isso, em escala industrial, adicionar peróxidos ao processo configura um grande desafio tecnológico. Com a CelOCE, o problema é eliminado. Ela produz in situ o peróxido de que necessita", sublinha Murakami.
A CelOCE é uma metaloenzima: esta é sua classificação exata, porque possui um átomo de cobre embutido em sua estrutura molecular que atua como o centro catalítico propriamente dito. Ela foi descoberta na natureza. Porém, para chegar a ela, os pesquisadores tiveram de mobilizar uma quantidade formidável de ciência e equipamentos.
"Partimos de amostras de solo coberto com bagaço de cana, mantido por décadas em uma área adjacente a uma biorrefinaria no estado de São Paulo. Nessas amostras, identificamos uma comunidade microbiana altamente especializada na degradação de biomassa vegetal usando uma abordagem multidisciplinar que incluiu metagenômica, proteômica, enzimologia de carboidratos por métodos cromatográficos, colorimétricos e de espectrometria de massa, difração de raios X baseada em síncrotrons de quarta geração, espectroscopias de fluorescência e absorção, mutagênese dirigida por sítio, engenharia genética de fungos filamentosos por CRISPR/Cas e experimentos em biorreatores de planta-piloto de 65 litros e 300 litros. Fomos da prospecção da biodiversidade à elucidação do mecanismo e chegamos à escala industrialmente relevante em planta-piloto com possibilidade de aplicação imediata no mundo real", conta Murakami.

O pesquisador enfatiza que este não foi um resultado de bancada de laboratório, que ainda precisa passar por muitas validações antes de chegar à utilização industrial. A prova de conceito em escala-piloto já foi demonstrada e a enzima recém-descoberta pode ser incorporada imediatamente ao processo produtivo —o que é extremamente relevante para o Brasil, como grande produtor de biocombustíveis, e para o mundo, em um contexto de transição energética urgente em função da crise climática.
O Brasil possui as duas únicas biorrefinarias existentes no mundo capazes de produzir, em escala comercial, biocombustíveis a partir da celulose. A tendência é que essas biorrefinarias se multipliquem aqui e sejam replicadas em outros países.
Um dos maiores desafios, até agora, era a desconstrução da biomassa de celulose: como quebrar esse material e convertê-lo em açúcar. A CelOCE deverá aumentar expressivamente a eficiência do processo.
"Atualmente, a eficiência está na faixa de 60%, 70%, podendo chegar, em alguns casos, a 80%. Isso significa que muita coisa ainda não é aproveitada. Qualquer aumento de rendimento significa muito, porque estamos falando em centenas de milhões de toneladas de resíduos sendo convertidas", argumenta Murakami. E acrescenta que não se trata apenas de aumentar a produção de etanol veicular, mas de outros produtos também, como, por exemplo, biocombustível para aviação.
A pesquisa foi apoiada pela Fapesp por meio de dois projetos.
benefício do assinante
Você tem 7 acessos por dia para dar de presente. Qualquer pessoa que não é assinante poderá ler.
ZA9BET Brasil Site Oficial | Jogo do Tigrinho | ZA9BETbenefício do assinante
Assinantes podem liberar 7 acessos por dia para conteúdos da Folha.
Já é assinante? Faça seu login ASSINE A FOLHARecurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Leia tudo sobre o tema e siga:
iPhone no Natal da ZA9BET a partir de R$ 2.999 à vista no ZA9BET pós. Aproveite. iPhone 13 256GB na ZA9BET a partir de R$ 2.999 ou em até 21x R$143 no ZA9BET pós. iPhone 13 na ZA9BET. biocombustível etanol sua assinatura pode valer ainda maisVocê já conhece as vantagens de ser assinante da Folha? Além de ter acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas (conheça aqui). Também pode baixar nosso aplicativo gratuito na Apple Store ou na Google Play para receber alertas das principais notícias do dia. A sua assinatura nos ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!
sua assinatura vale muitoMais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 200 colunistas e blogueiros. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?
ASSINE POR R$ 1,90 NO 1º MÊS Envie sua notícia Erramos? Endereço da página https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2025/02/nova-enzima-capaz-de-quebrar-a-celulose-podera-revolucionar-a-producao-de-biocombustiveis.shtml Comentários Termos e condições Todos os comentários Comente Comentar é exclusividade para assinantes. Assine a Folha por R$ 1,90 no 1º mês notícias da folha no seu email


Recurso exclusivo para assinantes
tigre fortuneassine ou faça login
Entenda as tarifas recíprocas anunciadas por Trump que podem afetar o etanol brasileiroOrdem mira países que, segundo o governo americano, taxam excessivamente produtos dos EUA
14.fev.2025 à 0h01
Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Trump ganhou eleição de forma justa, mas não pode ser um deus-imperadorNovo governo do republicano testa limites da democracia e da Constituição dos EUA; momento exige vigilância e ação
13.fev.2025 às 23h00
Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
fortunetiger Moradores de São Paulo recebem alerta de terremoto; Defesa Civil nega ocorrênciaCentro de Sismologia da USP não registrou nenhum tremor; aviso chegou para celulares do sistema Android
fortunetiger 14.fev.2025 às 2h51Copyright Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.
Modal 500O jornalnbsp;Folha de S.Paulonbsp;(1921 - 2025)nbsp;eacute; publicado pela Empresa Folha da Manhatilde; S.A. CNPJ: 60.579.703/0001-48
NEWSLETTERCadastro realizado com sucesso!
OkPor favor, tente mais tarde!
Ok